Embarcando na Primeira Estação

O ponto de partida é Bahnhof#0; aperte os botões corretos e boa jornada pelo tempo.

quinta-feira, outubro 08, 2009

Bahnhof#16 - Recuerdo da Selva

de: 490 a.C.
para: 1967

Corríamos por entre as sombras das árvores da floresta tropical sem determinação de tempo. Comíamos o que aparecia. Plenas férias em terras bolivianas.

Avistamos um casebre sem porta, sem janelas.

Dentro, um homem cansado, de barba, estava só, mas parecia abandonado. Pela sorte, pela vida, pelos companheiros de luta, pelos sobreviventes da liberdade. O esforçado sorriso que soltou parecia que aguardava-nos para uma última conversa.

- Não há fronteiras nesta luta de morte, nem vamos permanecer indiferentes perante o que aconteça em qualquer parte do mundo. A vitória nossa ou a derrota de qualquer nação do mundo, é a derrota de todos...

Paramos e ficamos escutando-o contar suas aventuras. A impressão que tínhamos é que ele também possuia um máquina temporal pois nascera na Argentina, subira de moto toda a América Latina, atravessou o golfo do México para aprender a fazer revolução em Cuba ao lado de Fidel Castro e agora estava abandonado ao acaso em plena selva.

Parecia calmo e ciente do que estava para acontecer.

Passos fora da casa e homens de farda, de língua estrangeira, o executaram covardemente. Como se ele pudesse se defender de algo. Defendeu a luta por momentos melhores. Lembrei daquela rainha e sua guilhotina. Como os seres humanos se auto-executam sem hesitar. Muito irracional para o meu pequeno cérebro de cobaia.

Ficamos ao lado do corpo por muito tempo. Chegamos a acompanhá-lo no helicóptero até um hospital para ser feito a autópsia. Uns oficiais americanos culpavam os militares bolivianos do assassinato e vice-versa. Vimos tudo. Fomos testemunhas. Na confusão antes de cremarem o corpo do morto para que não virasse culto de peregrinação por fanáticos no futuro, mordi o dedo direito de Ernesto e guardo os ossinhos até hoje na máquina temporal.

Minha companheira assistiu a tudo e tremendo exclamou:

- Se somos capazez de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.

Botões em sequência e partimos. Tristes.

Bahnhof#15 - Escola de Pensamentos

de: 1793
para: 490 aC

Nunca tinha voltado para o calendário antes de Cristo. Arrisquei procurando um momento de sossego, acreditando que antigamente o planeta Terra fosse menos agitado.

Chegamos na Grécia sob um calor insuportável e imediatamente procuramos uma sombra para o descanso e lanche.

- Voce está bem ?
- Estou.

Ouvir a voz, mesmo que baixa, da minha companheira de viagem foi um presente.

Enquanto comíamos despreocupados, escutamos vozes de um grupo de pessoas, adultos e jovens, que pareciam discutir algumas idéias interessante. Falavam que todas as coisas eram foramdas por quatro elementos (terra, água, ar e fogo) e que o elo entre esses elementos era o número. Pareciam matemáticos e sábios.

Ao centro do grupo, um senhor de estatura mediana, quase calvo, observava todos com um semblante tranquilo e rabiscava com uma longa vareta no chão o desenho de um pentagrama.

- Se eu utilizar a ração áurea dessa figura e projetar sobre as cordas esticadas feitas de crinas dos cavalos, conseguirei uma escala de 7 notas e posso construir o instrumento musical que quiser.

Um menino que o olhava com admiração passou a desenhar um triangulo ao lado do pentagrama do mestre e questionou qual era a relação dos lados daquela forma geométrica, quando um dos angulos era um angulo reto.

O mestre rabiscou a equação entre as duas figuras no chão e todos contemplaram aquele momento de sabedoria. O teorema de Pitágoras foi de suma importância para a definição da matemática como ciência da humanidade.

O mesmo menino nos observou e antes que fugissemos apavorados, trouxe-nos um pote de água. Sob o calor do Mediterrâneo, aquele grupo foi uma das melhores passagens que tivemos em nossa escala de aventuras.

- Para onde vamos ? ela me perguntou.

Fiquei quieto por alguns instantes, encostei meu corpo ao dela e permanecemos ali mais alguns dias.

Bahnhof#14 - A velocidade da lâmina

de: dezembro 1941

para: 1793

Mudar não significa apenas fazer o que o outro fazia, mas fazer de forma diferente, convincente, nem sempre mais prática, nem sempre mais ampla. Mas precisamos mudar sempre. Faz parte da natureza animal.


Revolver é perseverar nessa mudança todo dia. Cada vez que salto no tempo, tento aprender, compreender os movimentos instantâneos que ocorrem. Tento me adaptar às revoluções de cada momento histórico.

A cena daquela mulher subindo os degraus e ajoelhando de maneira singela sob a grande trave de madeira é algo que eu e minha companheira não esqueceremos jamais. Os comentários dos que assistiram a cena conosco é de que ela e sua família eram extremamente injustos com os trabalhadores. Uma mulher tão bem vestida... Parece-me que muita coisa não mudou desde então. A tal Revolução Francesa trouxe muitos benefícios democráticos a quem ? Aos novos que assumiram o poder ?

Não ficou muito claro para nós toda aquela balburdia e como reles cobaias entre tantas ratazanas parisienses, vasculhamos os porões do Palácio de Versalhes para encontrar queijos e conservas. Não nos interessava a tranquilidade dos sonos dos justos.


A sensação inflamada pelos gritos e correrias de todos é que a partir daquele ato, a riqueza deslumbrante seria distribuida igualmente para todos.


Igualdade, fraternidade e liberdade.
Quase peguei um brioche para comer com o queijo, mas desisti.




Um dia, no meio de canhões em uma ilha paradisíaca e no dia seguinte, cabeças rolando no ritmo da guilhotina. Vamos procurar um lugar mais tranquilo para comer.


A minha companheira continua muda e assustada. Mas não está mais tão faminta.