Embarcando na Primeira Estação

O ponto de partida é Bahnhof#0; aperte os botões corretos e boa jornada pelo tempo.

sábado, julho 25, 2009

Bahnhof#4 - O Jogo do Poder

de: outubro 1989
para: julho 2009
Toda vez que navego por mais de 15 anos, chego ao destino cansado, com um pouco de tontura e ansioso. Não sei se é o meu metabolismo simplório de cobaia, saudade do professor Manrat ou enjôo ao me deparar com as principais manchetes não éticas nos jornais.

Não consegui entender: o atual presidente do Brasil, Sr. Luis Inácio Lula da Silva, agradece em público em ato notório, o apoio que tem recebido do Sr. Fernando Collor de Mello, ex-presidente do país que teve a honra particular de tomar um impeachment no Congresso, em uma visita recente ao reduto de eleitores nordestinos.

Lembro-me de uma camisa que roí há um tempo atrás na casa da Dinda que dizia "O tempo é o senhor da razão."
As coisas funcionam assim entre os homens: inimigos mortais um dia em termos políticos, aliados (i)morais amanhã.
Um verdadeiro liquidificador de ideais, uma máquina de horrores. Jamais assisti a esse tipo de experimento no laboratório do professor.

Vou-me embora para Pasárgada antes que o presidente (o atual) sustente o Sr. José Sarney que apoiou o golpe militar de 64 e vive até hoje explorando a capital São Luis, o Maranhão, o Norte e Nordeste do Brasil, o Senado, Brasília e onde puder fincar seu falar manso, seu bigode e suas poesias de fardão de academia.
Possuo bigode também, mas tenho esperança.
Basta de apoio à políticos super ratos.
Preciso respirar, preciso um pouco da verdadeira poesia e de música.
E onde foi parar a tal Marília ?

quinta-feira, julho 23, 2009

Bahnhof#3 - O Debate

de: 1963
para: outubro 1989

Todo o povo, esperançoso, olha a TV.
O debate presidencial esperado transmitido para todo o país. Não precisa ser rico, pode até ser pobre, basta um aparelho na sala, ouvidos e escolher certo no dia da eleição.
Não precisa nem ser gente. Basta ser rato.

No Brasil as coisas poderiam ser simples como esse ou aquele, certo ou errado. No mundo poderia ser assim mas o poder da mídia é incontrolável por quem manda e quem assiste. Basta uma edição criteriosa nos bastidores e o que foi dito fica como não dito. O que foi prometido não existe mais. A falha vira tempestade e o crime vira detalhe.

Parece-me que qualquer um dos dois, o de barba e o sem barba, irão resolver as questões que tanto castigam o maior país da América do Sul.

Estou curioso para saber o que vingou.
Vou ficar com saudade da tal Marília...

Bahnhof#2 - Uma linda mulher

de: 1941
para: novembro 1963

O prédio público que serve de depósito de livros está praticamente vazio. Isso significa bastante papel para ser roído.

Estou no parapeito da janela central do 6ª andar e o dia está lindo em Dallas.
À minha esquerda, um rapaz chamado Lee, olha com atenção a paisagem pintada de asfalto, pessoas e verde do parque.

À direita, um jovem Stan trêmulo e na última janela, o veterano conhecido por Mister Gun de óculos e boné. Lembra até um pouco o professor Manrat. Todos estão armados e prontos para dar um tiro apenas cada um.

No andar de baixo, mais duas janelas preenchidas com atiradores de elite. Desconheço o nome deles. Todos olham a avenida. Nas calçadas, a pequena multidão de senhoras, estudantes de bandeirinhas americanas na mão, esperam o reluzente conversível dobrar a esquina.

Surge o carro.
O casal cumprimenta a todos com um sorriso presidencial.
Os homens no prédio se posicionam e ignoram a minha presença.
A fome aperta mas vou aguardar o desenrolar da trama pois sinto que algo de ruim irá acontecer. Me lembra os dias após a invasão da Polonia.
Por que nesses momentos ninguém aparecerá para impedir a tragédia ? Onde se esconde a raça humana em situações tristes ?

Tomo um susto quando disparam sincronizados em direção ao banco de trás do carro oficial.
Tres tiros acertam o presidente.

Se afastam das janelas em silêncio tenso.
Mister Gun ordena que Lee deixe sua arma italiana perto da janela (para que ?) e que saia discretamente para a rua.
- Vá se esconder no cinema como se nada tivesse acontecido, ok ?
Os outros atiradores permanecem e reunem-se no andar debaixo. Ficam aguardando ordens superiores. Silêncio total. No 6º andar, no prédio, no meu estomago, em Dallas .

Substituo a imagem ensaiada do ballet dos homens atirando, pelo da mulher elegante e desesperada, recolhendo fragmentos do corpo do marido enquanto o carro preto dispara pela avenida.

Mudam os países, os idiomas, os personagens, a dimensão dos acontecimentos, mas a violência é característica dos homens. Eu não sou assim. Os meses em laboratório alimentado com drogas que nunca consegui evitar me deixaram mais tranquilo a esse tipo de reação selvagem. Só tenho fome. Vou até a caixa dos livros no canto do 6º andar para roer algo que me sirva.

Depois de saciado, irei partir com a imagem daquela lmulher.
Uma bela viúva desejável vestida de rosa-sangue.
O primeiro botão é vermelho.
Despois branco e depois azul.

segunda-feira, julho 20, 2009

Bahnhof#1 - A guerra continua

de: 1939
para: 1941

A guerra continua.
A cidade está dizimada.
Milhares de mortes desnecessárias. Até quando ?

Anseio por uma cena leve, um encontro no meio da rua, um curto sinal de luz entre tantas desesperanças.
Se os homens soubessem que bastam beijos de paz entre os revoltos sons da guerra.

O laboratório ainda existe mas está totalmente abandonado.
As outras cobaias desapareceram e não encontrei professor Manrat.
Estará vivo ou entrou na guerra como soldado raso ou pesquisador de elite do governo ?
Espero que não tenha morrido.
Ou como os homens dizem: "morrido em vão".
Prefiro viver em vão. Sobreviver.

Não vou apertar o botão verde e ficarei os tais 45 segundos mínimos obrigatórios para cada parada da máquina.
Torço para que nenhuma bomba caia perto de mim.
Seria espetacular uma bomba para uma reles cobaia como eu.
Coisas do gênero humano.

Depois mudo de década, de continente, tomo outros rumos, outros ares.

Bahnhof#0 - O início de tudo

Setembro de 1939

A situação não está fácil: racionamento de energia elétrica, corte na ração, o professor anda tenso durante as pesquisas.
Na semana passada a Alemanha invadiu a Polonia.
Eu sou um pedaço da Alemanha e não queria invadir ninguém.
Quem poderá prever quando esse exército indesejado invadirá o nosso laboratório ? Quem deu autorização aos nazistas para que façam isso deliberadamente ?

Ah, esses seres humanos em cornucópias de desespero saboreando o inferno que está por vir. Sinto isso a cada instante.

A Máquina de Deslocamento Temporal do professor Arzt Manrat está pronta.
Ele não pode afirmar se ela funciona plenamente, mas eu sei disso.
Tantos testes fez comigo, tantos lugares conheci, mesmo por míseros segundos e sempre voltei para o laboratório, são e salvo.
Vou levar alguns biscoitos. Isso basta de início.
Sei que ele não ficará muito feliz com a minha decisão de pegar sua máquina mas não estar aqui nos dias negros que estão por vir.
Prefiro viajar sem rumo.
Quem sabe ele ainda tenha tempo de construir uma outra máquina em que caiba seu esquisito e grande corpo humanóide e viaje pelo tempo como estou fazendo agora.

No momento preciso sair daqui e não é questão de covardia. É questão de sobrevivência.
Afinal, cobaias não tem família, não tem relações duradouras, não tem amor esperando para dizer boa noite. Cobaias não tem futuro. Somos seres descartáveis de experiências humanas.

O inverno dos homens marchando está chegando.
Uma
segunda guerra insuportável cerca o continente.
Prof. Manrat vive praguejando em voz alta por esse porão que a guerra do início do século deveria ter sido a última. Mas parece que será mais uma.

É chegada a hora.
Vou partir.
Não para muito longe, talvez 1941 ou 43.
Com certeza esse tumulto terá terminado e posso rever o professor.
Assim espero.
Botão vermelho primeiro, botão branco e por último o azul.