Embarcando na Primeira Estação

O ponto de partida é Bahnhof#0; aperte os botões corretos e boa jornada pelo tempo.

quarta-feira, março 31, 2010

Bahnhof#30 - Caminhando pelas cores do arco-íris

de: 1994
para: 2005

Fui parar em beira de estrada no norte do Brasil.

A estrada não é muito diferente do acostamento. Terra batida, asfalto velho e de baixa qualidade, buracos, mato. Precária como a vida da maioria dos seringueiros da região do Pará.

Os meus dois novos companheiros de viagem me acompanham ainda assustados e fluorescentes. Acho que preciso dar um nome para eles, pois parece que não me abandonarão tão cedo. Questão de sobrevivencia ou de ser o próximo prato da refeição.

Nem estou ligando se ficarei radioativo com essa possibilidade.

As vezes essas coisas não interessam.

Tanto planejamento, tanta meticulosidade em apreciar a vida, pode ser frustrante ou ir por água abaixo por interferências externas. Que diga o Prof. Manrat. Por onde andará meu mestre ?

Uma senhora de cabelos brancos aparece há 50 metros de distancia.
Leve, simples, linda, sorridente.
Na mão um livro de capa dura.

Uma bíblia. A sua eterna arma.

Dorothy Stang caminha de encontro à vida, desde pequena, e de encontro ao destino, desde agora.

Me assustei com os 7 tiros, como os pecados capitais me assustam e me seduzem.

Sete são as cores do arco-iris.

Dorothy estendeu para os assassinos a bíblia, como sua vida estendida para os conflitos do Pará. Sempre o Pará. Que estigma desse estado !!! O povo paraense não merece isso. Ou merece ? Não quero nem saber.

Ela cai sobre o chão bruto.

Vou pegar um pouco de comida, antes que sobre mais algum tiro para mim.
Recolho os dois estorvos.

Antes de partir reparo que um dos matadores ri.
Do que ? Da vida ?
Insensato...

segunda-feira, março 29, 2010

Bahnhof#29 - O Campeão

de: 1911
para: 1994

Avancei um pouco para acalmar meus 2 companheiros radioativos.

Fui parar em uma estrada esquisita.
Na verdade, parece uma pista de corrida pois automóveis pilotados por homens vestidos em macacões coloridos, passam em alta velocidade.
Parecem brincar com o carro e com a vida.

Ficam dando volta sem parar, como se corressem contra o tempo e contra adversários inventados.

Pela placas de propaganda, estamos em Ímola, na Italia.

Um rapaz brasileiro, de nome Ayrton Senna, corre a uma velocidade impensada pelo Prof. Manrat.

A curva de Tamburello aparece e o carro dele, mais parecendo uma bala de canhão, mais fina que o normal, sai pela tangencia e bate de frente com a proteção que não protege nada.

Corro ao seu encontro.
O sangue começa a molhar o chão.
Não há mais vida.
Foi-se.
Procuro pelos dois pupilos.
Olham-me ainda com pavor.
Resolvemos ir embora, sem comer, sem dizer uma palavra sequer, total silêncio, em homenagem ao grande campeão.

Bahnhof#28 - Sem sair do lugar

de: 1911
para: 1911

Parece que não consigo sair do lugar.

Pensei que a bateria da máquina temporal havia se esgotado, mas me lembro que o Prof. Manrat disse certa vez que a carga é feita a cada viagem realizada.

Outra possibilidade: alguma peça solta e a máquina ficaria presa nessa data. Até que não seria mal. Saí de um laboratório para cair em outro. Mas não é essa a intenção da minha vida.

Preciso conhecer outros lugares, outras pessoas.
Foi quando escutei um barulho suspeito atrás da minha poltrona de acesso.

Percebi que 3 pequenos roedores de luzes fluorescentes e olhos cada um de uma cor, escondiam-se dentro da máquina. Com certeza radioativos pelas experiencias de Marie Curie.

O peso excessivo faz com que a máquina não saia do lugar e permaneçamos no tempo.

Não hesitei.
Escolhi o mais gordinho e comi.
Matei a fome e diminui o peso excessivo.
Os outros dois ficaram me olhando com medo.
Na verdade, com pavor.

Melhor assim.

Mas vou levá-los juntos.
Serão meus companheiros de viagem.
E se der fome...

Bahnhof#27 - A premiada

de: 2010
para: 1911

Procuro em vão pelo Prof Manrat.
Atrevo a máquina temporal por entre diversos laboratórios.

Vou pelo cheiro, pelo anseio, pela necessidade de ver meu criador.
Sem sucesso.

Agora parei no laboratório dessa moça.
Parece capaz.

Altamente eficaz.

A polonesa deixou o avental de lado e está se arrumando para receber um premio. Pelo que diz o jornal em cima da bancada, é o segundo Premio Nobel que ela recebe.

Agora como Química, pela descoberta dos elementos químicos do Rádio e Polônio.

O anterior, oito anos atrás, de Física, foi pelas investigações sobre fenômenos de radiação.

Pelo menos vou sair daqui irradiado pela beleza intelectual da mulher.
Não vou comer nada por aqui, pois tenho medo de estar infectado pela radiação da Marie Curie, que ficará para a história.

quinta-feira, março 04, 2010

Bahnhof#26 - Uma anja

de: 1723
para: 2010

Resolvi voltar para o local do terremoto do Haiti, segundos antes do fatal acontecimento.

Não é para sofrer. É para tentar antever uma catástrofe que muda a vida de todos os envolvidos.

Estou dentro de uma igreja.

Cerca de 100 pessoas escutam atentamente a palestrante. Elas tem esperança nos olhos.

A palestrante, uma senhora com voz calma, sorriso abundante no rosto, olha todos e presta atenção à vida deles como se cada um fosse único.

A médica passa através de seus encontros, conversas, as ações necessárias para que tenhamos um mundo melhor.

O terremoto começa, os gritos, os passos desesperados procurando as portas, o destino, o fim. Sob os escombros da igreja, Zilda Arns deixa esse mundo repleto de realizações e caminhos a serem traçados pela humanidade.

A Pastoral da Criança, entidade ligada à Igreja Católica no Brasil está orfã.

Escapei por pouco das ruínas. A fome avança, mas vou procurar comida em outro lugar. Não ouso tirar dos sobreviventes.

Bahnhof#25 - As estações

de: 1869
para: 1723

É confortante voltar um pouco mais ao passado.

Principalmente quando posso passear pelos esgotos abertos ao céus da cidade de Veneza. O lixo se acumula a cada dez metros. Cada habitante precisa compartilhar seu espaço com centenas de ratos.

Aqui sou mais um, misturado a essa multidão de peçonhentos famintos.

Estou à procura do padre.
Adoro-o, apesar de não ser muito simpático a esse grupo de religiosos. Salvam-se poucos...
Esse além da sensatez, possui a veia artística a flor da pele.
Suas melodias seduzem minha alma, como se fosse um encantador de seres e de senhos.

Vivaldi está se apresentando na instituição Pietá.

O Opus 8 arrebata os ouvidos e o poder de escutar o ritmo do ano dividido em nítidas estações. Todas as quatro, bandeiradas com marcações e sensualidade.

Ficará para sempre.
Ficarei mais um pouco.
Para ouvir as marés dos magistrais violinos levando as gôndolas ao longo do ano pelos canais de Veneza.

Bahnhof#24 - A grande alma

de: 2010
para: 1869

Sempre volto ao passado, talvez tentando resgatar o meu próprio.

Compartilho a saudade do professor Manrat e de minha companheira, com meus anseios solitários ao lado dessa máquina temporal.

Desembarco na Índia.
É a primeira vez que venho para cá.

As religiões tendem a ser de difícil compreensão para espantar a alma do humilde da bondade divina. Deus é muito simples. O amor é singelo. Eu sou uma cobaia e pronto. Quero viver, respirar, não prejudicar o meu redor. Se tudo fosse candido assim...

A teologia hindu, complexa como a maioria das religiões milenares, concentra Deus em 3 formas distintas: a criadora (Brahma), a destruidora (Shiva) e a equilibradora (Vishnu).

Quando o mundo está intranquilo, confuso, beirando o caos, Deus envia à Terra Vishnu na forma humana para que possa ser feita a reconciliação da humanidade.

Preciso me equilibrar, me reconciliar para viver em paz.

Nesse quarto na cidade de Porbandar, a criança que nasceu ontem, parece descansar. Serena, tranquila, como deverão ser seus dias entre os hundus.

Deram-lhe o nome de Mohandas.
O povo o chamará de Mahatma.
Na verdade, Ghandi não apreciará muito o título, mas devotará sua vida pela independencia da Índia perante a Inglaterra (sempre eles...) e encaminhará seu país na rota politica e religiosa em harmonia perfeita com as tradições do povo.

Com certeza terá sucesso arrebatador.
Isso poderá até lhe causar problemas.
Não sei ainda do futuro que lhe reserva.
Com certeza, o menino não se interessa pelo destino, mas pelo caminho.

Que a paz desse quarto venha a se expandir ao ocidente, aos olhos dos que procuram a tranquilidade de viver entre irmãos. Como ele dirá um dia, "a alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não propriamente na vitória conquistada."

Paz a todos.






quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Bahnhof#23 - Biscoitos

de: ano zero
para: 2010

Resolvi viajar para frente, esquecer o passado um pouco, inspirado pela criança sob a estrela guia.

Caí na América Central.
Um país devastado por poeira, choro e confusão.

Os tremores foram sentidos por toda a ilha e o Haiti ficou mais pobre.

Ao meu lado, uma mulher negra, roupa surrada e olhos cheios de lágrima, trabalha em silêncio, montando biscoitos de trigo, suor, barro e esperança.

Não tem ninguém para alimentar.
Apenas faz os biscoitos circulares.

Eles irão cozinhar sob o sol do Caribe.
Para os sobreviventes do terremoto.
Para os haitianos, sobreviventes desse planeta.